domingo, 22 de fevereiro de 2009

"QUEM SÃO AS PESSOAS QUE ESTÃO À MINHA VOLTA?"




V.S. Naipaul, escritor de língua inglesa, nascido na ilha da Trindade e prémio Nobel da Literatura em 2001, concedeu uma entrevista ao "Magazine Littéraire", na qual fala das temáticas dos seus livros, das circunstâncias em que foram escritos, da sua postura ética perante a literatura e a vida. O que ele diz permite-nos ter uma visão do seu mundo interior, do conjunto da sua obra, de alguns princípios em que assenta a sua escrita. De entre as afirmações que fez, destacarei quatro ou cinco, pelo que revelam do escritor, do seu modo de trabalhar: "Viajo sempre com um casaco e dois cadernos de notas: um à direita, outro à esquerda. Quando encontro alguém, anoto cuidadosamente tudo o que ele diz, e dou-lhe a possibilidade de reflectir, lentamente [...] É incrível o que se pode anotar à mão durante uma hora! Depois, junto os testemunhos no círculo narrativo! Impossível trabalhar de outro modo!"E a entrevista continua, com o entrevistador a citar uma frase de Naipaul: "A moral é a estrutura. Eu não tenho senão uma imensa curiosidade, a de conhecer as pessoas, e um imenso desejo de exploração." Mas o que é para ele a "moral"? E Naipaul esclarece: "Um escritor desmunido de um sentido moral na sua obra não tem, para mim, o mínimo interesse. Evelyn Waugh, por exemplo: qual é a sua ambição moral? Nenhuma. E se não há ambição moral, só resta o oportunismo social..." O sentido moral não implicará, no entanto, uma tomada de posição política, ideológica ou religiosa? Não necessariamente, para Naipaul: "Não sou um ideólogo, nem sou religioso, marxista ou antimarxista. Sou uma pessoa aberta e devo-o às minhas origens: que sentido teria ser de esquerda ou de direita, na Trindade?O entrevistador, já perto do final, faz-lhe uma pergunta-chave: "Ir ao encontro do mundo exterior é, para si, ir ao encontro de si próprio. Mas este não é o paradoxo central da sua obra?" A resposta veio imediata e directa: "Sim. Hoje eu respondo com um trabalho incessante à pergunta que eu punha a mim próprio, em menino, na Trindade: quem são as pessoas que estão à minha volta? Que mundo é este que me rodeia? Porque razão estes Africanos e estes Chineses estão aqui na Trindade, quais sombras de si próprios? Sem uma explicação, os homens não são mais do que fantasmas. É difícil para vós, Franceses, conscientes do passado, imaginar que eu cresci sem a mínima noção de história colectiva, individual ou familiar." E é exactamente por isso, que V.S. Naipaul, enquanto jornalista de grandes jornais ocidentais, mergulha nas culturas indiana e africana - à procura das raízes, da explicação histórica que lhe falta (como pode o Homem sobreviver fora da História?). Dessa busca, resultam alguns dos seus melhores livros, nos quais se expressa o que o Homem tem de essencial, para além das fronteiras impostas pela raça, ideologia ou religião. Se há autor contemporâneo que soube caracterizar o Homem e os seus valores, ele é, sem dúvida, "Sir" Vidia Naipaul, inglês por opção, escritor do Universal por vocação.
Nota:
Obras de V.S. Naipaul publicadas em Portugal, pela D. Quixote:
• A Curva do Rio (2001)
• Uma Casa para Mr. Biswas (2001)
• Uma Vida Pela Metade (2002)
• Miguel Street (2003)
• Para Além da Crença (2004)
• Num País Livre (2005)
• Sementes Mágicas (2008)

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