quinta-feira, 23 de abril de 2009

Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro e outros lugares por onde passou e se encantou o poeta



Roteiro lírico e sentimental da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, onde nasceu, vive em trânsito e morre de amor o poeta Vinicius de Moraes (este é o subtítulo completo) foi o projecto de um livro que atravessou praticamente toda a vida adulta do poeta e que ficou inacabado quando da sua morte. Uma preciosidade para os que amam a poesia sensual e soalheira de um poeta que se confunde com a cidade que é neste livro tão carinhosamente descrita, cantada, recordada e biograficamente percorrida.

Felizmente, para o nosso deleite, amigos e colaboradores do poeta que nalguma fase estiveram envolvidos com o projecto, foram bem sucedidos em editar o manuscrito, que embora incompleto, foi publicado no Brasil em 1992, seis anos após a morte do poeta. Curiosamente, o facto ter permanecido inacabado parece ter reforçado uma das ideias centrais do projecto, nomeadamente a de que a cidade e os seus habitantes estão em contínua transformação e são melhor apreendidos através de uma obra aberta que não se compromete com contemplações estereotipadas. Na verdade, o livro permite ao leitor a oportunidade de vislumbrar duplamente o que tinha em mente o poeta através de breves textos introdutórios que servem de mote aos temas a desenvolver. Na elegante edição brasileira da editora Companhia das Letras, estes textos ocupam a página à esquerda e apresentam o poema associado que ocupa a página seguinte. O livro é ilustrado com sugestivas fotografias antigas e estas não deixam de cumprir o papel de conduzir o leitor a um estado de doce nostalgia.

A ternura que conduz o poeta no esforço de caracterização in vitro da cidade e da sua gente, é mais que evidente quando descreve o mítico habitante do Rio de Janeiro, o carioca:

“O que é ser carioca? É ter nascido no Rio de Janeiro. Sim, é claro, e também não. Não porque ser carioca é antes de tudo um estado de espírito. Ser carioca é uma definição de personalidade. Charles Chaplin é carioca. A princesa Margaret é carioca, e já o Townsend não é, Marilyn Monroe é dos seres mais cariocas que há na face da terra. Como cariocas são Orson Wells, dois Pablos: Picasso e Neruda, Louis Armstrong, Ilia Eherenburg, o príncipe Ali Khan e Marlene Dietrich. Porque ser carioca, mais ainda que ser parisiense, é sentir-se perfeitamente integrado com a sua cidade e o seu meio; é portar roupas como carioca; é saber das coisas antes que elas sejam ditas; é detestar trabalhar (mas trabalhar); é adorar flanar e bater papo no meio de milhões de compromissos; é acreditar que tudo se arranja (e arranja mesmo); … E a maior felicidade é que ao carioca foi dado para amar, desamar, exaltar, trair e ser escravo um outro ser cuja graça é indefinível: a mulher carioca. …”

Naturalmente, um livro desta natureza não tem qualquer fim possível. Pensava o poeta encerrá-lo com um poema de título, Réquiem Carioca. Contudo, este não foi escrito e ficamos apenas com uma magnífica declaração de intenções:

“O poeta, como todo homem sensível, não suporta despedidas. Das mulheres, sempre terminou por fugir, dissolvendo-as numa delicada massa de lembranças impenetráveis e imagens esparsas. Sabe que o homem será ultrapassado pela cidade. O poeta, não. Ele será o celebrante de um ofício derradeiro, em que a cidade será tragada pelo tempo e a poesia sobreviverá. No fim dos tempos, a cidade será apenas isso: poesia. Restará um roteiro lírico, sentimental e caudaloso, um testamento de amor que poderá ser lido como uma anunciação. O ofício dos mortos terá devorado o homem e sua cidade. A palavra ficará como testemunha e profecia.”

Ao conjunto de textos relativos à cidade do Rio de Janeiro, juntaram-se uns tantos outros sobre “outros lugares que encantaram o poeta”. São de particular interesse os que descrevem a experiência do poeta em Inglaterra e as de viagens a Paris no mesmo período e posteriormente.

Explica-nos o poeta que o ano passado em Inglaterra (e que não se prolongou devido à guerra) decorreu de ele ser o primeiro brasileiro a quem foi atribuída uma bolsa do Conselho Britânico a ser usufruída em Oxford, isto no ano de 1938 (aqui a nostalgia do poeta carioca cruza com a do autor que agora vos escreve).

Como não podia deixar de ser, a cidade luz é efusivamente cantada pelo poeta.


Orfeu B.



1 comentário:

Anónimo disse...

obrigada pelos textos! Adorei ler e ouvir no meu imaginário as músicas de Vinicius!

fica na alma de quem conhece alguns poemas e canções de Vinicius o carinho por esta cultura brazileira!!
tão sábia, lúcida, cáustica por vezes mas sempre tão quente e fulminante a tocar o coração!

Obrigada Orfeu pela vontade que fica em conhecer esta obra.
um abraço,
Verónica