sábado, 18 de julho de 2009

A MINISTRA




Os poemas de O’Neill que abrem e fecham esta narrativa, “Poema pouco original do medo” e “Perfilados de medo”, tornam explícito que este livro é um panfleto. Um acto de cidadania de um escritor que é também professor (de Filosofia).

Mas não nos enganemos. O livro está muito além da função estrita do panfleto pois trata-se também de um belo momento de literatura. E aqui reside a originalidade do autor. “A Ministra” é e não é a ministra em que todos pensam quando olham para a capa do livro.

Não é porque Miguel Real inventa uma personagem completamente ficcional. Atribui-lhe um passado. O pai assassina a mãe adúltera. A menina que desde muito pequena gosta de arrancar as cabeças das bonecas, assiste ao assassinato e é depois criada primeiro por um tio-pai, sargento da GNR, expulso da corporação por corrupção passiva e caixeiro viajante de uma fabriqueta de lanifícios. A tia-mãe é medíocre, pequenina e trata com violência a menina que, depois da morte do pai, vai para um orfanato.

A “heroína” da história consegue estudar e tornar-se professora, primeiro do ensino secundário e depois da faculdade. Odeia tudo e todos e sobe esforçadamente na vida à custa de manha, de expedientes, de uma total falta de escrúpulos e acaba por fazer uma tese de doutoramento sobre: Como manipular dados estatísticos de modo a evidenciar resultados não existentes na realidade.

Mas esta ministra é também aquela outra em que todos pensam porque a sua ideologia (por vezes torpe, por vezes absurdamente cómica) reflecte muito do que está por trás da política da educação dos últimos anos, que se consubstancia quebra radical da qualidade pedagógica, na derrota do humanismo como grande matriz do ensino, na desvalorização da figura do professor e da própria ideia de saber.

Mas desenganem-se os que pretendam ver aqui um olhar maniqueista. O autor não deixa de fazer, pela voz da personagem/ministra, um retrato por vezes duro e inflexível dos vícios de uma certa forma rançosa e pouco séria de ser professor, que também existe e existiu durante muito tempo. Mas tenhamos a certeza de que foi à sombra dessa manha que cresceu a ideologia que agora domina e tende a destruir a ideia de ensino e de saber em favor de um conceito de creditação.

O brilhante exercício de escrita de Miguel Real leva-nos num rodopio imparável através de informações, reflexões, através da própria escolha vocabular, no desenvolvimento de uma panóplia estilística que forma como que uma prisão de palavras em que a personagem/ministra fica presa e se desnuda sem nada que possa salvá-la da vergonha de ser exposta ao escândalo e, quiçá, ao escárnio das pessoas de bem.

No final do livro a Ministra/personagem, que sonha chegar a primeira-ministra e mesma a presidenta, acaba por não ver ser-lhe confirmado o convite para o cargo, em benefício de alguém mais bem colocado na hierarquia partidária.

Estas são as voltas da ficção que, através do privilégio do ofício de manipulação do escritor, acaba com um final quase feliz, ao contrário da realidade onde o final se vai arrastando em cores demasiado autoritárias e negras.

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