segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Inês da Minha Alma


Ler até que esquecemos que existimos. Foi o que me aconteceu ao ler este livro. Porque é uma história fabulosa sobre os exploradores no Chile, é um livro de aventuras. Mas também sobre o ódio que fez dizimar comunidades de índios da América do Sul.
Trata-se de um romance histórico, baseado no diário de Inês Suárez, Espanhola que participou na conquista do Chile juntamente com Pedro de Valdivia famoso explorador, aventureiro, general que governou o Chille.
Muitas personagens são fascinantes e merecem a nossa admiração. Além dos citados, aquela personagem que me mais me fascinou foi a de Filipe, mais tarde Lautaro. A história deste índio foi fantástica, em criança deixou-se apanhar pelos espanhóis e com o Governador aprendeu muitas coisas, entre elas a domesticação de cães e de cavalos, as artes da guerra. Observou os costumes e os desejos dos espanhóis. Aos dezoito anos desapareceu de Santiago da Extremadura (mais tarde Santiago do Chile) e com o que aprendeu com os espanhóis usou para iniciar uma guerra de defesa do seu território contra os espanhóis que tinham usado da sua barbaridade para escravizar, violar , matar os índios das várias tribos. Este índio conseguiu organizar as várias tribos, domar cavalos e domesticar cães para uma guerra contra os invasores espanhóis. Entre os episódios aqui descritos há dois que merecem admiração deste índio: os espanhóis encontraram um bosque onde caiam das suas árvores pedras de ouro e encantados com esse ouro desprenderam-se das suas armas e armaduras para o apanharem, quando deram por ela estavam a ser atacados pelos índios que tinham feito esta armadilha com pedras banhadas a ouro; colocaram indignas belas a banharem-se nuas num lago perto de um pântano, os espanhóis maravilhados com o espectáculo foram ao encontro destas belas mulheres e ficaram enterrados com as suas pesadas armaduras no pântano.
Este índio é para mim o paradigma do homem de hoje, "aprender" é a palavra chave, com as informações que podemos obter conseguimos derrubar aquilo que não gostamos. Podemos lutar por um mundo livre e justo com o conhecimento. A ignorância não nos leva a nenhum lado.

sábado, 22 de agosto de 2009

O INSTANTE E A ETERNIDADE


(Fotografia de Henri cartier-Bresson)

Diz-nos Carlos Saura que o grande drama da fotografia (e do fotógrafo, portanto) é o tempo: a fotografia é o instante que se transforma - imediatamente - em passado. Posição idêntica é a do francês Henri Cartier-Bresson, possivelmente o maior fotógrafo do século XX, Em entrevista concedida ("concedida" é o termo exacto...) à crítica de arte e jornalista brasileira Sheila Leirner e publicada no Diário de Notícias, ele afirma: "(...) a fotografia é o problema do tempo. Tudo desaparece. Com a fotografia, existe uma angústia que não há com o desenho. O presente concreto ocorre numa fracção de segundo, o que é desagradável e maravilhoso, simultaneamente. Trata-se de uma luta contra o tempo..." Uma luta para a qual o fotógrafo só tem uma arma: a sensibilidade, "o olhar (...) de sensibilidade." Olhar que lhe permite transformar o instante em eternidade.
Cartier-Bresson tem um hábito curioso: utiliza frases de personalidades célebres para dar mais ênfase às suas ideias, Assim, cita De Gaulle quando quer caracterizar o acto de olhar do fotógrafo: "Visar bem, atirar seco e sair de campo." E será exactamente esse sentido de oportunidade que faz dele o grande fotógrafo do homem em solidão. Faz dele um fotógrafo, sim, e não um cineasta ou um ficcionista, embora sempre tivesse estado ligado a esses domínios da cultura. E a razão é bem simples: "Eu não tenho imaginação. O que me fascina é a vida, que tento compreender." Ou, dito por outras palavras: o que o "cativa" é "a observação da realidade", não a efabulação que sobre ela se possa fazer. Daí, a razão de ser da sua afirmação: "Eu não tenho nada para contar. Eu vou, olho, e as coisas me surpreendem. Isso é puramente visual. Tenho horror à palavra conceptual. Se os artistas conceptuais nos convidarem para jantar, eles servirão apenas as espinhas do peixe. Eu pessoalmente prefiro a carne dele. O conceptualismo é pura masturbação mental, na qual não entra a sensibilidade." Na verdade, é a "carne" (o real na sua concretude) que ele nos "serve" nas suas fotografias. A concretude que ele "rouba" às coisas para no-la dar. Ou, como diz, parafraseando Stendhal: "Essas pessoas" (e ele inclui-se entre elas) "roubam para nos dar." Por isso, não se considera um artista, mas um artesão: "Nós, os fotógrafos, não estamos perto dos artistas; para mim, somos como artesãos, como marceneiros..."
Ao chegar ao fim desta "recensão-crónica", pergunto-me por que a fiz e por que a fiz deste modo, utilizando a técnica do recorte de frases que Cartier-Bresson utilizou na sua entrevista. Creio que há fundamentalmente uma razão: tentar compreender o que de essencial há nas palavras do entrevistado, essencial que se encontra disperso (por vezes, com aparências de contraditório) ao longo das suas respostas. Mas ainda outra razão haverá: seria assim que eu montaria aquela entrevista, se entrevistador eu fosse...
Mas há, ainda, um aspecto diferente, para o qual eu queria chamar a atenção: se tomarmos como boas as palavras de Cartier-Bresson sobre o artista e o artesão-marceneiro (e não como uma simples "boutade"), concluiremos que a arte não resulta da intenção de quem a faz, mas sim, do "olhar" de quem a usufrui. O que nos leva a reflectir sobre o papel decisivo do espectador na construção da obra de arte. E, claro, a explicar a existência de tanto "artista" falhado... Ora, o que é válido para a arte, também o é, e talvez ainda mais, para a literatura.

MILLENIUM


“OS HOMENS QUE ODEIAM MULHERES”

“A RAPARIGA QUE SONHAVA COM UMA LATA DE GASOLINA E UM FÓSFORO”

STIEG LARSSON

Stieg Larsson, jornalista e activista de esquerda, não conheceu o sucesso que os seus livros têm conhecido por toda a parte. Escreveu os 3 primeiros livros de um projecto de 10 e, depois, caiu para o lado com um acidente cardio-vascular quando o primeiro dos livros saiu para as livrarias.

A série de três livros com o título geral de MILLENIUM insere-se na onda de popularidade do policial nórdico onde se contam (publicados em Portugal) os suecos Liza Marklund e Henning Mankell, as norueguesas Karin Fossum e Anne Holt, ou a islandesa Irsa Sigurgardóttir

Na sua última entrevista, Stieg Larsson afirmou, a propósito destes romances, que só pretendia produzir entretenimento. Mas um entretenimento que não virasse as costas ao mundo em seu redor. E, desse mundo, a sociedade sueca em primeiro lugar, Larsson dá-nos uma imagem negra de corrupção, perversidade, cinismo, crime e, acima de tudo, de um mundo que procura manter alguma aparência de organização e decência mas que perdeu o respeito pelas regras que faziam a superioridade da social-democracia sueca.

Stieg Larsson põe em causa os sistemas psiquiátrico e judiciário suecos, não poupa os bancos e os grandes financeiros, ataca a questão da violência sobre as mulheres, aflora a questão das máfias e do seu cruzamento com as polícias secretas.

Não estamos, é claro, no campo da grande literatura. Quanto a isso não haja dúvidas. A narração é ágil mas, frequentes vezes, é repetitiva e cheia de explicações para leitores pouco atentos. As personagens são pouco mais do que (bons) bonecos de BD, recortados numa aventura com muito de uma lógica do tipo “Indiana Jones”.

Deve ser essa lógica, essa urdidura de mistérios e surpresas, que nos faz ler quase sem parar. E também a certeza de que os bons hão-de triunfar no final.

Apesar de tudo, e mesmo sem grande profundidade, temos uma personagem notável: Lisbeth Salander, inspirada na famosa Pipi das Meias Altas, heroína da televisão sueca sem grandes preconceitos nem respeito pelo politicamente correcto.

Lisbeth é uma espécie de Pipi moderna. Magricela, cheia de tatuagens e pierciengs, praticante de boxe, dominando toda a moderna tecnologia de telemóveis aos computadores. Foi violada em jovem, internada em instituições psiquiátricas, considerada associal, violenta e atrasada mental.

No entanto, Lisbeth é uma hacker de fatásticos recursos, motard, bisexual, lutadora implacável, uma rapariga com um profundo e muito próprio sentido de justiça.

Ela vai ser o contraponto do jornalista de investigação Blomqvist do jornal Millenium (que dá o nome à série), que desempenha o óbvio papel de um Indiana Jones do jornalismo que procura descobrir e expor nas páginas da sua revista os podres e os escândalos que atravessam a Suécia.

Os livros leem-se como quem come torradinhas. É verdade. 500 ou 600 páginas cada livro que não custam nada a ler e que, no meu caso, também pouca deixaram. Cumpriram apenas a função de fazer passar tempo. Um bom entretenimento e a certeza de que o mundo das democracias em que vivemos está doente. Ou sempre esteve?

domingo, 16 de agosto de 2009

Ler sem palavras: Coelhos suicidas!?


Imagine-se a minha surpresa quando fui apresentado ao mundo surreal de uns coelhinhos que preparam o seu suicídio de formas imaginativas e esperam pela morte de uma forma impávida e entediada. Se te queres matar porque não te queres matar? Estes coelhinhos fofinhos dão muitas pistas. Desta leitura sem palavras aqui fica um exemplo.

sábado, 15 de agosto de 2009

O ÊXITO, ESSA CATÁSTROFE



(Javier Cercas)


Abundantes são os exemplos de escritores que foram destruídos pelo êxito das suas obras. E, entre eles, avulta o caso de Scott Fitzgerald - o exemplo paradigmático. Daí, estou em crer, ter surgido a lenda do êxito como sinónimo de catástrofe. Esta questão, e umas tantas mais com ela relacionadas, foram-me recordadas por Javier Cercas, em artigo publicado em "El País". Cercas, autor de "Soldados de Salamina", obra que o celebrizou, conta-nos o modo como o êxito o afectou e como se saiu dessa situação, utilizando o antídoto mais eficaz para essas ocasiões: escrevendo novo romance! Refere-se, também, ao ensaio que Tennessee Williams escreveu - "A Catástrofe do Êxito" - onde faz o seu retrato, no período que se seguiu à estreia da sua primeira peça, que o catapultou para os píncaros da fama. Mas a fama, a glória serão forçosamente causadoras do mais terrível dos anátemas que se pode abater sobre um escritor - a dificuldade, a impossibilidade de criar? Não sei, mas que tenham influência em tal, disso, não tenho dúvidas. O afundamento no turbilhão das manifestações de apreço em que o escritor se vê envolvido, a exposição social a que está sujeito não são, de modo algum, benéficas ao acto criativo. Tanto pelo excesso de estímulos que acarretam, como pela razão oposta ou seja, o bloqueamento que podem originar. Cercas, ao comentar este último aspecto, fala-nos do caso de escritores, inesperadamente famosos, que entraram em processo de ensimesmamento, em recuo para dentro de si-próprios, deixando de escrever durante vinte ou mais anos - ou para todo o sempre - tal o medo do fracasso. Este recolhimento em si-mesmo foi caracterizado por Rafael Sanchez Ferlosio (escritor que também sofreu uma celebridade repentina) em termos muito curiosos: "(...) Deram-me, até, um banquete (...) e, talvez já de um modo semiconsciente daquele enorme "bluff", senti tanta vergonha e tanta agorafobia, que cometi a terrível grosseria de não me levantar para agradecer a homenagem e os discursos." Seria nesse momento, diz Cercas, que Ferlosio teria compreendido que não tinha vocação para o papel de literato, o que o levou a retirar-se de cena: "O bispo de mim mesmo mandava que eu me retirasse e me dedicasse a altos estudos eclesiásticos…"
Cercas, no artigo referido, estende-se ainda, um tanto mais, sobre os malefícios do êxito literário - "que alimenta, mais do que qualquer outra coisa, o impulso destrutivo de um escritor" - e chama-nos a atenção para uma verdade insofismável: a obra prima nada tem a ver com o número dos seus leitores. Conclui dizendo que felizes são aqueles que o sucesso não bafeja - felizes sem o saberem...
Mas do que ele não fala é do sofrimento, do desespero, dos que não conseguem publicar as suas obras ou, se as publicam, ninguém delas fala... Desespero tão grande que, em muitos casos, leva à progressiva destruição do autor ou, até, à sua morte. Evidentemente que o suicídio não se confina a uma explicação linear de causa-efeito, pois há sempre um conjunto de factores por detrás, mas que o fracasso literário contribui para a concretização desse acto, disso, não tenho a menor dúvida - até por conhecimento pessoal de alguns casos. Enfim, variado é o mundo e várias são as suas gentes. E como nem todos têm um bispo dentro de si-mesmos...

sábado, 8 de agosto de 2009

A AUTOEDIÇÃO, UMA REVOLUÇÃO EM MARCHA




Como pequeno (pequeníssimo) editor que sou, vou tentando estar atento ao que se passa no domínio da edição. E algo se passa. Algo de novo, que está a revolucionar o meio editorial, nomeadamente nos Estados Unidos. Estou a referir-me às edições que têm a Internet como veículo.
Colocado o texto “em linha” (com ou sem o apoio de uma casa especializada), o autor aguarda a reacção do público. Se houver interessados, estes terão de pagar uma determinada quantia para cada cópia que seja “descarregada” para o papel.
Em 2008, nos Estados Unidos, foram editados mais títulos via Internet do que pelos processos tradicionais. Inclusivamente, há casas que trabalham apenas nesta área editorial, oferecendo aos autores serviços variados: formatação, capas mais cuidadas, correcção do texto. Os preços praticados são consideravelmente inferiores aos das editoras tradicionais.
Em França, diz-nos o “Figaro Littéraire”, começam a surgir estes serviços, com um número crescente de clientes. Se há editoras exclusivamente dedicadas à edição “em linha”, outras há que, sem abandonar a edição tradicional, abriram departamentos especializados nesta forma de editar. E, quando o número de exemplares da “edição numérica” atinge um determinado valor, a obra passa a ser editada pelos processos tradicionais. Eis, pois, um mecanismo inteligente (e seguro) de prospeccionar o mercado, portanto de minimizar os riscos financeiros inerentes ao investimento em novos autores ou em autores pouco conhecidos.
Estamos, assim, perante novas perspectivas de mercado no campo da edição. Embora Portugal não tenha o mesmo número de “escritores de gaveta” que existe noutros países europeus (principalmente em França), estou em crer que haverá algumas centenas de interessados dispostos a pagar preços módicos pela edição dos seus originais – assim se lhes ofereçam oportunidades.
E não quero deixar de fazer um comentário final: se a complementaridade entre diferentes formas de edição, difusão e circulação de obras literárias, já é um facto, o futuro se encarregará de aprofundar, de incrementar o que está apenas no início.

domingo, 2 de agosto de 2009

O Balão do menino Nicolau; 50º Aniversário



Eu cá gosto muito de fazer anos; é um dia em que nos divertimos imenso lá em casa. Esta manhã, quando a mamã me veio acordar , disse-me:
- Levanta-te depressa, Nicolau. Tenho uma surpresa para ti.
- É um carrinho? - perguntei eu. - Um vagão de mercadorias para o meu comboio? Uma caneta? Uma bola de Râguebi?
- Não - disse a mamã. - É um pulôver.
E então eu fiquei decepcionado, porque as coisas para vestir não são surpresas a sério, mas, como não queria causar nenhum desgosto à mamã, não disse nada, levantei-me, fui lavar-me e, quando voltei para o meu quarto, a mamã mostrou-me o pulôver, que era azul-claro, com três patos amarelos, cada um por cima do outro, e eu desatei a chorar.
- Que aconteceu? - perguntou-me a mamã.
- Não quero vesti-lo -disse eu. - Todos os meus amigos vão gozar comigo na escola!
- O dia começa bem... - disse o papá. Ouvi-vos gritar. Que se passa?
- Passa-se que o senhor Nicolau não gosta do pulôver novo que lhe comprei - disse a mamã.
- Não vou para a escola com este pulôver! - berrei eu.
Então o papá deu um murro na mesa.
- Nicolau! - gritou ele. - Fazes favor de não falar nesse tom com a tua mãe! E quando ela te oferece qualquer coisa deves agradecer-lhe e ficar muito orgulhosos de a usares.
- Então - disse eu a choramingar - , porque é que tu nunca usas a gravata que a mãe te deu?
- A gravata? - disse o papá. A gravata? A gravata não é para aqui chamada.
- Bem, lá isso é verdade - disse a mamã. Não usas essa gravata muitas vezes. Não gostas dela?
Então o papá e a mamã discutiram e a mamã disse que ia para casa da mamã dela que é a minha vovó.
Fui para a escola ter com os meus amigos. Estava muito ansioso porque à hora do lanche os meus amigos vão vir à minha festa de anos. O tempo nunca mais passava!
Fui almoçar a casa e brinquei com o urso de peluche que ainda tem um pouco pêlo porque a máquina de barbear do papá avariou.
Finalmente os meus amigos chegaram com prendas maravilhosas: uma data de coisas de chocolate. A mamã diz que só de ver aquilo tudo fica maldisposta do fígado. Quanto a mim é só depois de as ter comido que fico maldisposto, mas gosto muito.
Divertimo-nos à brava! O gordo Alceste, que come muito depressa, foi o primeiro a ficar maldisposto. E logo a seguir ficámos todos, menos o Joseph que é magro como tudo, mas que consegue comer bastante porque arranjou um parceiro formidável: ele tem a bicha solitária que fica maldisposta em vez dele.
A mamã telefonou a todas as mamãs dos meus amigos para que os viessem buscar o mais depressa possível. As mamãs chegaram e assim que entravam ficavam todas com cara de poucos amigos. Pegavam nos filhos delas pela mão e arrastavam-nos para fora de casa enquanto diziam à mamã que não cabia na cabeça de ninguém empanturrar as crianças daquela maneira.
A mamã, essa, ficou sentada no cadeirão, a olhar para lado nenhum. É preciso dizer que a sala de jantar se encontrava um pouco em desordem e havia algumas nódoas.
Á noite, a seguir ao jantar, a mamã trouxe um bolo de anos! Soprámos as velas e eu comi quatro fatias de bolo! Fiquei um pouco maldisposto!
O papá e a mamã emganaram-se foi nas velas. Havia um cinco e um zero!