sábado, 5 de junho de 2010

O homem que era 5ª feira.


Você tem essa ideia fixa e idiota que a anarquia virá dos pobres. Porquê? Os pobres têm sido rebeldes, mas nunca foram anarquistas, têm mais interesse que quaisquer outros na existência de Governos decentes. Quem está verdadeiramente ligado à pátria é o homem pobre ... Os pobres às vezes repontam por serem mal governados, os ricos têm repontado sempre contra qualquer governo. Os aristocratas foram sempre anarquistas ...

O homem que era 5ª feira.

Prolixo, incisivo, inquietante, irónico e cómico. A sua inteligência, os seus 1.93 m e 135 Kg. eram provavelmente intimidantes. Numa ocasião, disse ao seu amigo Bernard Shaw: "Ao olhar para si, poder-se-ia pensar que houve fome em Inglaterra". Bernard Shaw, bem conhecido pela sua argúcia, respondeu imediatamente: "Ao olhar para si, poder-se-ia pensar que foi você a causá-la". Também proverbial em Chesterton era o seu desligamento do mundo, pois em várias ocasiões chegou a telegrafar para a esposa indicando que estava em certo sítio, mas que ao lá chegar descobrira que não era este o seu destino correcto, necessitando então de indicações para onde teria que se dirigir.

O homem que era 5ª feira é possivelmente o livro mais conhecido da sua obra considerável e que compreende praticamente todos os géneros literários. Um clássico da língua inglesa do início do século XX, que mantém ainda alguma actualidade temática, mas que se destaca sobretudo pela sua originalidade linguística e plástica.

No início da segunda metade do XIX, a ordem estabelecida era ameaçada por movimentos niilistas que não viam qualquer aspecto positivo na vida e na sociedade. Movimento de cariz intelectual, ficou registado na literatura com os Pais e Filhos de Ivan Turgenev em 1862. O movimento teve também raízes filosóficas e representantes influentes como Kierkegaard e Nietzsche, e ganhou dimensões de movimento político e social, principalmente na Rússia. Depois do assassinato do Tsar Aexandre II em 1881, o movimento adquire uma dimensão europeia e passa a ser considerado inimigo declarado da sociedade moderna, dado o seu apelo à violência e à destruição da ordem burguesa. Para os niilistas e os seus descendentes ideológicos, os anarquistas, a ênfase estava necessariamente na destruição do aparelho do Estado. "O prazer de destruir é muito maior" proclamava o grande teórico do anarquismo, o russo Mikhail Bakunin, rival de Marx no controle do movimento operário no século XIX. Mas se do ponto de vista do movimento operário, a dicotomia jazia entre o socialismo estatal advogado por Marx e a ideia duma sociedade sem Estado conforme defendida por Bakunin, do ponto de vista burguês estes movimentos não eram mais do que assunto de polícia.

O homem que era 5ª feira, retrata a batalha da ordem estabelecida, representada por um jovem idealista e intelectualmente dotado, 5ª feira, enquanto infiltrado no topo hierárquico duma célula anarquista. Os seus sete membros, designados pelos dias da semana, são liderados pelo temível Domingo, a "estrela fixa do grupo", um homem com poderes intelectuais maquiavélicos, para além da sua estatura e peso descomunais.

Com destreza, inteligência e cavalheirismo, move-se 5ª feira no seio da temível organização visando evitar o próximo ataque bombista do grupo, a ter lugar em Paris. Contudo, ao longo do processo, e através de aventuras rocambolescas, descobre 5ª feira que os seus cinco colegas de célula são também polícias! Resta-lhes então desmarcar Domingo e prendê-lo pela ameaça que representa para a sociedade. Este contudo, acaba por lhes revelar que haviam todos sido recrutados por ele, que também era um influente e poderoso estratega da Scotland Yard!

E com o que ficamos? Para além do prazer da leitura da prosa elegante e irónica de Chesterton, possivelmente com a conclusão que a ordem e a sua antítese, o terrorismo, estão muito mais que dialecticamente ligados, e que podem muitas vezes se confundir no que refere às causas e aos efeitos dos males que semeiam. Para as vítimas, possivelmente não importa se o terrorismo é originado pelo estado ou pelo que se lhe opõe. Mas esta não é uma questão de todo simples.



Orfeu B.


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