domingo, 2 de janeiro de 2011

O TEMPO A FINITUDE A POESIA



Gullar é um dos grandes poetas vivos da língua portuguesa. Recebeu este ano o Prémio Camões e, felizmente, caiu na moda.

As modas entre nós vão e vêm, trazem-nos dislates que permitem artigos de opinião muitíssimo opinosa, debates acerca de mais ou menos nada, elogios delirantes sobre grandes escritores ou poetas que desaparecem pouco tempo depois. Neste caso, a moda é positiva e ajuda a divulgar um poeta que merece ser lido com muita atenção.

A editora Ulisseia começou a publicar a sua obra com "Poema sujo" a que se seguiu o seu último e recente livro, "EM ALGUMA PARTE ALGUMA". Bem haja.

O trabalho lento e longo do poeta centra-se aqui na finitude da vida e das coisas da natureza e ainda na relação entre arte e linguagem, por um lado, e a realidade palpável e finita, por outro

Uma pera desenhada não é a pera mesmo. Não tem cheiro. Não apodrece. É outra coisa. E, assim, Gullar insiste na autonomia da linguagem em relação aos objectos que nomeia.

Mas há mais. Gullar olha para o infinitamente grande e o muito pequeno. Vai do insecto às galáxias, da rua onde mora ao início do universo. E passa pelo seu gato, o seu companheiro, que morreu e deixou memória e saudade e ternura.

O tempo, a finitude, a morte. Numa idade adiantada, com uma racionalidade rasgada aqui e ali pela emoção, o poeta procura construir uma ponte, um olhar único sobre o mundo. Busca entender o que é a poesia e a pintura e fá-lo através de construções poéticas elaboradíssimas que tomam, no entanto a forma de uma desconcertante simplicidade.

A grande poesia também pode passar e passa por esta simplicidade às vezes musical. A possibilidade de comunicação com um público vasto é, quanto a mim um dos sinais da responsabilidade e da maturidade dos poetas que se desenvencilharam dos tiques obscuros e centrípetos e partem de peito aberto a caminho do diálogo com o leitor.

Se os nossos poetas não aprenderem esta lição continuarão encerrados num círculo fechado das pequenas edições que só as primas literárias lêem.

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