quinta-feira, 23 de junho de 2011

O PESO DA ESCRITA




"Os cascos do gamo são os quatro dedos do violinista. Avançam às cegas e não falham um milímetro. Saltam precipícios, malabaristas em subida, acrobatas em descida, são artistas circenses para a plateia das montanhas. Os cascos do gamo agarram-se ao ar. O calo almofadado serve de silenciador quando quer, caso contrário, a unha partida ao meio é castalholas de flamenco. Os cascos do gamo são quatro ases no bolso de um batoteiro. Para eles, a gravidade é uma variação sobre o tema, não uma lei."

Um grande livro é feito disto: linguagem, beleza, escrita levada ao patamar da arte.

Uma história feita de quase nada. O velho gamo, chefe da manada, adivinha a chegada do seu último Inverno. O velho caçador furtivo sobe à montanha para a sua última caçada. E há uma borboleta que pousa aqui e ali e cujo peso faz toda a diferença.

A história é curta. O resto é quase um poema, a arte da escrita que nos leva através dos penhascos da montanha, pela grandeza dos animais, pela arte difícil de ser homem e aprender o terrível momento da aproximação da morte. Quase um poema.

Erri de Luca, militante da esquerda jovem dos anos 60 e 70, homem que atravessou o mundo em mil ofícios, jornalista, poeta que aprendeu hebraico e traduz textos bíblicos.

Ao virar da página deixa-nos ainda uma pequena refdlexão ou testemunho de um tempo que não abandona a pele de quem o viveu.

"Durante algum tempo do século passadoa juventude adoptou uma lei diferente da estabelecida. Deixou de aprender dos adultos, aboliu a paciência. Queria ser o prelúdio de tempos opostos, declarava que todas as moedas eram falsas. Nunca mais se viu numa juventude tanta teimosia em virar o prato."


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