quarta-feira, 6 de julho de 2011

DOIS GRANDES ESCRITORES FRANCESES NAS TEIAS DA REVOLUÇÃO




Anatole France (1844-1924) e Roger Vailland (1907-1965), dois grandes romancistas franceses nas teias da Revolução Francesa, nas teias literárias da escalpelização do maior acontecimento da História de França dos tempos modernos. Duas obras magistrais: “Os Deuses têm Sede”, de Anatole France (1ª edição em 1912, edição portuguesa esgotada); “Um Homem do Povo na Revolução (edição portuguesa da Portugália, sem data); dois grandes romances com um suporte impressionante de documentação histórica. No caso de Anatole France, em grande parte devido ao seu pai, livreiro em Paris, especializado em obras sobre a Revolução Francesa; Roger Vailland, romancista probo, a recorrer à colaboração do historiador Raymond Manevy, especialista naquela época histórica. Duas obras diferentes, escritas em momentos diferentes,que nos explicam mais sobre a Revolução Francesa do que muitas obras históricas que se têm debruçado sobre o tema. O que coloca, uma vez mais, o problema da relação entre romance e História. A minha experiência como leitor atento e estudioso de alguns períodos históricos sempre me mostrou que o romance histórico, quando fundamentado em documentação fiável, tem um poder explicativo e interpretativo da realidade histórica que ultrapassa, e em muito, a obra histórica propriamente dita. O que se compreende se pensarmos que uma das finalidades do romance é fazer-nos sentir, compreender, em suma, “viver” o que as suas personagens sentem, pensam, fazem, num determinado contexto.
Por outro lado, a afirmação de que a literatura é uma fonte inesgotável para o conhecimento de uma época é algo de insofismável, como se poderá comprovar, por exemplo, pelos romances de Eça de Queirós, imprescindíveis para o conhecimento da burguesia lisboeta da segunda metade do século XIX.



O que acabei de dizer sobre o romance histórico aplica-se, com toda a propriedade, aos romances de Anatole France e Roger Vailland, atrás citados. São dois romances através dos quais podemos sentir o pulsar do mais conturbado período da História de França, ou seja, o final do século XVIII e inícios do XIX. Período a partir do qual se forjou muito da História da Europa dos tempos actuais.
Anatole France, com a sua obra “Os Deuses têm Sede,”faz-nos compreender como o pior, o mais cruel dos fanatismos pode surgir do mais puro, do mais generoso dos ideais revolucionários. A finura da sua análise da política e dos políticos da época, em busca de novas formas de governação, que a queda da monarquia e o consequente vazio de poder forçosamente exigiam, constitui, em última instância, uma lúcida advertência que os homens do século XX não quiseram ou não puderam compreender: não foi do ideal comunista da Revolução Soviética de 1917 que nasceu uma das maiores tragédias da História dos nossos dias, com as purgas e o terror do estalinismo?
“Um Homem do Povo na Revolução” apresenta-nos uma outra perspectiva da Revolução Francesa, através da descrição da acção de “um homem do povo”, apanhado nas malhas da Revolução: Drouet, tribuno inflamado, companheiro de Robespierre (o “Incorruptível”) e de Marat, que encarnou os ideais republicanos, pelos quais luta nos bons e maus momentos. Enfim, a história de um puro, idealista e generoso. História que simboliza a saga de um povo em busca da dignidade que só a liberdade, a fraternidade e a igualdade lhe poderão conferir. Mas esta história foi escrita em pleno século XX, quando o modelo de herói já não era o homem saído da Revolução Francesa, mas sim o herói soviético. Daí, algumas das diferenças que este livro apresenta em relação ao de Anatole France. Embora se assemelhem em alguns pontos. Talvez num, mais do que no outro, o verdadeiro herói, o verdadeiro revolucionário é aquele que, vitoriosa a revolução, se confina à sua situação inicial, não aceitando qualquer cargo político. O que nos leva, inevitavelmente, a uma pergunta: quem foi o verdadeiro herói do nosso 25 de Abril: Otelo Saraiva de Carvalho ou Salgueiro Maia? Estou em crer que foi Salgueiro Maia, o eterno “capitão de Abril”. Mas esperemos que surja em breve o romancista do 25 de Abril e dos seus “heróis”, para que esse período da nossa História possa adquirir uma outra inteligibilidade.

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