sábado, 6 de agosto de 2011

"Pelo sonho é que vamos,/Comovidos e mudos./ Chegamos?/ Não chegamos? Haja ou não frutos,/Pelo Sonho é que vamos.//" Sebastião da Gama

O Professor

Frank MacCourt

Editorial Presença

Frank McCourt tornou-se conhecido com “As Cinzas de Ângela”, o livro com que recebeu, em 1997, o Prémio Pullitzer. Neste seu livro, “As Cinzas de Angela”, foi adaptado para cinema mas nunca vi o filme, conta de forma extraordinária a miséria escura e terrível dos tempos da sua infância, em Limerick, na Irlanda, imagens não farão melhor.

Frank McCourt nasceu em 1930, em Brooklyn, Nova Iorque mas cresceu na Irlanda, a terra natal da família, com muitos irmãos, muita pobreza e um pai alcoólico. A sua vida foi tudo menos fácil. Aos 14 anos deixou a escola para ajudar a família. Aos 19 anos deixa a Irlanda e volta para os EUA onde trabalhando e estudando se torna professor.

A sua vida é ela própria um exemplo de como não há lugar ou adversidade que nos possa vencer. Ao mesmo tempo uma verdade e uma falácia. Acreditemos na melhor possibilidade.

Ser professor é algo que se aprende a ser, como tudo. Ser bom professor também depende, para lá da experiência e do saber adquirido, de um talento inato e variável com que uns e outros são mais ou menos dotados. Exige dedicação, talento e muita paciência, auto-estima também ajuda bastante.

Falhar como professor não faz, directamente, cair uma ponte ou deixa alguém a morrer mas ser professor é um contributo para a formação de todos enquanto profissionais, enquanto pessoas. Há muita responsabilidade, e nobreza, na profissão, na missão que uns executam e outros fingem

Este “O Professor” é um excelente retrato da vida um professor norte-americano ao longo de três década, dos seus dramas, alegrias, expectativas e fragilidades. O retrato, também, de uma sociedade, de uma escola à imagem dessa sociedade. As semelhanças com os dias de hoje são muitas.

O prólogo são oito páginas que vos aconselho, certa de que elas vos levarão a ler o livro mais do que algo que eu sobre ele possa dizer. Em algum momento, em alguma escola, algum professor se reverá naquelas reflexões.

“(…) onde é que eu arranjei coragem para pensar que seria capaz de lidar com adolescentes americanos? Ignorância. Foi daí que veio a minha coragem. Estamos na era Eisenhower. E os jornais falam da profunda infelicidade dos adolescentes americanos. São os Filhos Perdidos dos Filhos Perdidos da Geração Perdida”. Os filmes, os musicais, os livros falam da sua infelicidade: Fúria de Viver, Sementes de Violência, West Side Story, À Espera no Centeio. Têm um discurso desesperante. A vida não faz qualquer sentido! (…)”

(Se quiserem ouvir os “Deolinda” enquanto lêem…)

“Se falarmos com agressividade ou rispidez perdermo-los. É isso que, em geral, recebem dos pais e das escolas. Se contra-atacam com o seu silêncio aquela turma está acabada para nós.”

E, no entanto, nenhum professor pode abdicar de firmeza no seu discurso.

“A trinta anos casei com a Alberta Small e fui tirar o mestrado em Literatura Inglesa (…) O grau de Mestre ajudar-me ia a subir na visa, a ser mais respeitado e a ter um ordenado mais alto como professor.”

As coisas não mudam tanto assim…

“Os professores universitários podiam subir para o estrado e dar as aulas que lhes apetecesse dar, sem nunca terem de recear que alguém o contradissesse ou questionasse. Era uma vida invejável. Nunca tinham de dizer a ninguém, Senta-te; Abre o livro; Não, não podes ir lá fora (…) Tinha inveja dos professores universitários em geral, das suas quatro ou cinco aulas semanais. Eu tinha vinte e cinco aulas por semana. Eles tinham toda a autoridade. Eu tinha de conquistar a minha.”

Uma verdade. Por muito que os professores universitários digam que não é tanto assim…

“Mr. McCourt, o que vem a ser isto nesta sala? Os seus alunos estão a ler receitas? Por amor de Deus! A cantar receitas? Está a gozar connosco? Quer fazer o favor de explicar o que é que isto tem a ver com o ensino do Inglês? Onde é que estão as aulas de Literatura inglesa ou americana ou lá o que seja (…) estes miúdos estão a ser preparados para entrar nas melhores universidades do país. É assim que está a contribuir para isso?”

Todos os que conhecem a realidade da escola sabem que há muita vida para lá dos planos. Na escola onde entram todos e levam com eles a família e a sociedade onde crescem, preparar os alunos para o melhor, a melhor universidade, o melhor emprego, a melhor família, uma melhor sociedade é um tortuoso caminho sem receita e com muitas inovações pelo meio.

“Estava na altura de me reformar, de viver da reforma de professor que não era nada generosa. Vou ler os livros que deixei por ler durante estes trinta anos. Vou passar horas a fio na biblioteca (…) andar pelas ruas, beber uma cerveja, (…) aprender a tocar guitarra e cem canções para acompanhar à guitarra, levar a minha filha Maggie a jantar no Village, escrever nos meus cadernos. Pode ser que saia qualquer coisa. Hei-de sobreviver”

Ler, o mais possível, a única coisa que um professor (e um aluno) deve fazer sem limite no início, no meio e no fim de tudo o que pretenda levar a bom porto.

E há o humor, (por vezes negro) na vida de um professor, sobre esse não transcrevo exemplos, há tantos!

Este livro, “O Professor”, foi publicado em 2005. Frank McCourt morreu em 2009.

Numa altura em mais uma vez nos preparamos para, em breve, recomeçar o ano lectivo com um novo habitante na 5 de Outubro, os mesmos alunos, professores e pais… Há coisas a desenhar a régua e esquadro, a aplicar com todo o rigor matemático. Mas há também o Homem com a complexidade de afectos que subverte todas as equações.

Uma boa leitura para todos, Nuno Crato incluído.

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