sábado, 17 de setembro de 2011

O AMOR, A GUERRA, LISBOA



Nasci em 51. Tinha um irmão muito mais velho e um pai militar. Deles encontrei pela casa inúmeras imagens de aviões, tanques, batalhas, bombardeamentos em postais, revistas, reportagens sobre a 2ª Guerra Mundial. Nos anos 50 essas memórias de pavor e talvez de algum fascínio ainda estavam muito vivas.

Mais tarde, aluno do Colégio Militar, voltei à iconografia e aos romances que davam testemunho não só da 2ª Guerra como da guerra da Indochina.

Entre os vários escritores que li na adolescência, Erich Maria Remarque foi uma das leituras de primeira linha.

A ele regressei para ler este seu romance já com várias edições em português e agora reeditado de novo pelo Público na excelente colecção dos escritores famosos que não tiveram o Prémio Nobel.

O autor, alemão, combateu na 1ª Guerra Mundial e dessa experiência extraiu a matéria para o seu mais famoso romance "A Oeste nada de novo".

O nazismo baniu a sua obra e queimou os seus livros e Remarque fugiu percorrendo vários paísses até chegar à América onde viveu o resto da sua vida.

"UMA NOITE EM LISBOA" é o longo monólogo de um homem que oferece a outro a salvação (dois bilhetes para a América) com o único preço de ouvir a sua história.

O narrador é também o "ouvidor" de uma fantástica história de amor, melodrama levado ao extremo, igual a tantos que terão acontecido nos tempos terríveis dos tempos II Guerra Mundial.

É uma história cheia de palavras, de voltas e viravoltas, de dúvidas e devoção amorosa sem limite, de perda de identidades que se desenrola com a sombra da noite de Lisboa em fundo.

Haverá por aqui muito da experiência do próprio autor. A cidade natal do protagonista é a de Remarque, muito do percurso na fuga do personagem até chegar a Lisboa coincidirá porventura com o do autor.

A literatura é isto também. O sarro que fica de um tempo que ainda produz filhos sinistros (veja-se o caso do monstro norueguês) e cujos relatos continuam a fazer-me tremer e me deixam ainda mais irritado com caricaturas simplistas, equívocas e grosseiras como a de Tarantino nos "Sacanas sem lei".

É claro que literatura não tem que ser retrato da realidade. Mas não pode ser traição à realidade. E foi nesse digno ofício de respeito pela realidade que Remarque trabalhou e nos deixou páginas que vale a pena revisitar.

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