sábado, 26 de maio de 2012

A ARTE DO DIÁLOGO


Há quem considere a literatura policial uma literatura menor. No entanto, o romance policial só é menor quando é menor, mas é maior quando é maior. Coisa de La palisse. Mas não tão discipiente como isso.

Temos um mistério ou um crime, a descrição do ambiente humano, social, geográfico onde esse mistério ou o crime se deu. A busca das motivações, o mergulho na procura das personalidades, dos seus rituais e dos seus desvarios.

As editoras mais atentas às coisas boas dos livros fazem-nos o mimo de nos oferecer autores menos conhecidos ou até desconhecidos. É o caso dos 3 romances deste autor policial americano publicados discretamente pela Cotovia.

Depois de terem desaparecido das livrarias estão agora nas prateleiras dos policiais nas Bertrands.

Li os três e peço aos editores que continuem a publicar este autor de quem aliás já aqui falei. Eu comprometo-me a fazer propaganda para arranjar mais leitores.

Mathew Scudder, o detective, ex-polícia, sem escritório, alcoólico que não bebe e frequenta quase diariamente as salas dos alcoólicos anónimos, aceita, a pedido do pai, procurar uma jovem desaparecida sem deixar sinais. Nada garante que lhe tenha acontecido alguma coisa. Simplesmente desapareceu como só é possível na vastidão de um país como os EUA.

O que é fantástico é que em 80 ou 90% do livro não acontece quase nada. Scudder procura pela jovem com pouca convicção, torna-se namorado da sua ex-porteira/senhoria, procura saber a razão da morte de um companheiro miserável das sala de AA's, conversa horas a fim com um gangster assustador e perigosíssimo.

Block domina de forma brilhante a arte do diálogo. Recorta situações, sugere dramas, faz-nos adivinhar entre sussurros e frases meio ditas o que pode estar por trás da cortina da vida de gente que vive nas margens da grande Nova York.

O leitor segue esse percurso errante por bares e apartamentos, por ruas e noites, com um interesse crescente como se houvesse um extraordinário mistério a desenrolar-se à sua frente.

E, o que é mais curioso, é que, quando Scudder, quase inesperadamente, resolve o mistério do desaparecimento e assassinato da jovem procurada pelo pai, o leitor fica danado, porque esse final acaba por lhe roubar o fantástico fluir dessa longa vagabundagem que constitui a alma do livro.




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