terça-feira, 28 de agosto de 2012

AS PALAVRAS E A CIDADE




“NOVA IORQUE”

BRENDAN BEHAN

Brendan Behan, irlandês, filho de uma família republicana, militante do IRA desde os 14 anos, preso por vários anos na Irlanda e em Inglaterra, veio a tornar-se num escritor largamente aplaudido e elogiado nomeadamente como autor de teatro.

Carlos Vaz Marques que dirige esta magnífica colecção da editora “Tinta da China”, resolveu introduzir este livro depois de ler uma referência entusiástica de Enrique Vilas-Mata que aliás se predispôs a fazer o respectivo prólogo.

O texto é inesperado. Behan, alcoolizado em alto grau e perto da mortecom 41 anos, escreve-o, ou melhor dita-o em várias sessões no famoso Hotel Chelsea, dando-lhe a forma de um divagação tão caótica quanto envolvente pelos bares e recantos irlandeses de Nova Iorque

Behan foi, ao que parece um herói irlandês. Membro do IRA aos 14 ano, preso aos 16, torna-se escritor e dramaturgo de sucesso depois de sair de prisão.

O texto resulta da sua deambulação por um sem número de irish saloons e de histórias da Irlanda e da sua gente que, fugindo à fome e à repressão britânica, tanto foi contribuir para o crescimento da cidade.

Assim nos leva o livro simultâneamente por uma cidade e por uma cultura, uma maneira de estar no mundo, uma forma de habitar a raiz comum.

É magnífica a arte de fazer viver uma cidade pelas palavras, dar-lhe um brilho duradouro, o que, cada um dos dois últimos autores que li ultimamente, fazem cada qual à sua maneira.

No entanto, aqui, Nova Iorque acaba por ser apenas o cenário da saga irlandesa na voz de um homem que habita um destino explosivo e curto.


domingo, 26 de agosto de 2012

Che cos'è la poesia?


"A partir de agora, chamarás poema a uma certa paixão da marca singular, a assinatura que repete a sua dispersão, de cada vez além do do logos, ahumana, escassamente doméstica, nem reapropriável na família do sujeito: um animal convertido, enrolado em bola, voltado para o outro e para si, uma coisa em suma, e modesta, discreta, próxima da terra, a humildade que sobrenomeias, assim te transportando para o nome além do nome, um ouriço catacrético, todas as flechas eriçadas, quando este cego sem idade ouve mas não vê chegar a morte."     

Jacques Derrida

Uma breve, porém sugestiva, reflexão sobre a poesia pela pena do influente pensador Jacques Derrida (1930-2004), o filósofo da "desconstrução" e criador de neologismos como "differance" (diferencia) que denota a impossibilidade da análise sem temporalização que não seja sincrónica e diacrónica.

De facto, em umas escassas páginas, o pensador que introduziu na filosofia a discussão de Goedel sobre a impossibilidade de se demonstrar a veracidade ou falsidade de todos os teoremas no contexto dum sistema matemático fechado, sintetiza a leitura da poesia "em duas palavras":

"1. A economia da memória: um poema deve ser breve, elíptico por vocação, qualquer que seja a sua extensão objectiva ou aparente …

2. O coração. Não o coração no meio das frases que circulam sem correr riscos pelos cruzamentos e se deixam traduzir em todas as línguas. Não apenas o coração dos arquivos cardiográficos, objecto de saberes e de técnicas, de filosofias, e de discursos bio-ético-jurídicos. Talvez sequer o coração das Escrituras ou de Pascal, provavelmente, nem mesmo, o que é menos certo, aquele que Heidegger lhes confere. Não, uma história de "coração" poeticamente envolta no idioma "aprender de cor", o da minha língua ("apprendre par coeur") ou uma outra, a inglesa (to learn by heart) … - um trajecto único de múltiplas vias."    

Certamente, uma lição a reter.
    

Orfeu B.

sábado, 25 de agosto de 2012

AMAR UMA CIDADE





“PARIS”

JULIEN GREEN

Filho de protestantes americanos nasce em Paris onde vive até à morte com excepção do período de cada uma das duas Guerra Mundiais e o do tempo de estudo universitário nos EUA.

Converte-se ao catolicismo em jovem. Assume-se como homossexual, duas características que se diz marcarem a sua obra.

É o primeiro estrangeiro a entrar para a Academia francesa. Morre com 98 anos.

O seu livro sobre Paris é uma delicada declaração de amor, um rosário de pequenas e muito frequentemente convidas observações de Paris. Pequenos textos, por vezes quase poemas.

Julien Green quase fica á porta de um outro texto que é o da história das personagens dos seus livros caminhando com o próprio autor na cidade que lhe serve de cenário para as suas vida..

Julien Green afirma:

“A não ser que se tenha perdido realmente tempo numa cidade, ninguém poderá considerar que a conhece bem.”

Estou de acordo e acabei o livro cheio de saudades de uma cidade a que também pertenço um pouco.



sexta-feira, 17 de agosto de 2012

GANHEI UM POETA


Nunca ganhei a lotaria, o euromilhões, o totobola, nem sequer uma simples rifa de verbena. Mas poetas, já ganhei bastantes.

Às vezes graças ao prémio Nobel como é o caso de Tomas Transtromer que me chegou graças ao excelente e continuado trabalho da editora Relógio d'Água e à tradução que me soa muito bem de Alexandre Pastor.

Já me tinha acontecido o mesmo com a excelente poeta polaca Wislawa Szymborska, Nobel de 96.

É uma alegria muito grande quando descubro a obra de um poeta que não conhecia e que me leva a novos patamares da relação com a palavra e as suas fantásticas viagens.

As diferenças linguísticas, a falta de imprensa consistente, a redução da cultura às modas anglosaxónicas, deixam-nos sozinhos da grande poesia, da grande música do mundo, de muito do melhor que alguns irmãos nossos fazem lá nesses seus cantinhos tão fora das grandes auto-estradas culturais

As línguas serão sempre uma ponte e uma barreira. Leio bem em francês e em espanhol. Dá para navegar no italiano. Entendo-me com o inglês corrente mas muito mal com o inglês literário. Gosto das edições bilingues para ler com um olho em cada língua.

Um dia vou aprender inglês a sério para ler no original Shakespeare, Walt Whitman, Ted Hghes, Walace Stevens, Alen Guinsberg, etc, etc.

Também gostava de aprender alemão. E russo, vá lá... Mas há tanto poeta que adoro nas traduções e que escrevem em línguas que nunca aprenderei.

O grego Yanis Ritsos, o russo Tarkovski, pai do realizador de cinema, o checo Vladimir Holan , o indiano Rabindranaz Tagore, o Tonino Guerra que escrevia em romagnolo, o polaco Czesław Milosz...

Sabemos que poesia não se traduz mas... Ajuda, Se a tradução não for uma porta aberta de par em par, que seja pelo menos entreaberta.

Da poesia de Transtromer permitam-me ressalvar a sua relação com as pequenas coisas
que a natureza e o melhor da vida nos oferecem e que nos tornam mais doce a nossa humanidade.

SHUBERTIANA III

"O quinteto de cordas toca. Vou para casa a pé, atravesso florestas
´ tépidas, o chão que piso é fofo.
meto-me na cama como alguém ainda não nascido, adormeço,
livre de peso rolo rumo ao futuro, sinto de súbito que as plantas
também pensam."

A poesia pode desanrranjar-nos o olhar. Pode dar-nos notícia de becos e sarjetas. Pode fazer-nos levantar o coração à altura das bandeiras. Pode fazer-nos cantar o amor ou chorar o nosso destino azedo. E pode, também como é o caso, trazer-nos um pouco de paz.


terça-feira, 14 de agosto de 2012

O ESTUDANTE DE COIMBRA




A ressurreição de Guilherme Centazzi, segundo Pedro Almeida Vieira

1. O Estudante de Coimbra, ou relâmpagos da história portuguesa de 1826 a 1838, de Guilherme Centazzi, (Lisboa, Planeta, 2012), é uma agradável surpresa, A vários níveis. Na badana esquerda do livro faz-se uma apresentação interessante do autor: «Filho de pai veneziano, naturalizado português e de ascendência genovesa, Guilherme Centazzi nasceu em Faro em 1808. Devido às suas opções políticas liberais, enquanto estudante de Matemática na Universidade de Coimbra, refugiou-se em Paris, onde se doutorou em Medicina. Regressado a Portugal em 1834, dedicou-se à sua prática, tendo escrito e publicado vasta obra neste domínio. Condecorado com a Ordem de Cristo pela sua ação na epidemia da febre-amarela, na década de 1850, foi ainda o inventor dos famosos rebuçados peitorais Dr. Centazzi. Médico conceituado, divulgador científico, músico talentoso, pai de família, maçon, cidadão empenhado, Guilherme Centazzi encontrou ainda tempo e gosto para produzir uma considerável obra literária, de que o exemplo mais importante e acabado será, sem dúvida, este Estudante de Coimbra».
A fixação do texto e as notas são de Pedro Almeida Vieira, que andando a organizar uma base de dados de literatura histórica, o descobriu, desenterrou do completo esquecimento e arranjou maneira de que o publicassem. O livro tem ainda um longo posfácio de Maria da Fátima Marinho, da Universidade do Porto, que analisa e enquadra literariamente as obras do autor, centrando-se principalmente neste romance e reconhecendo-lhe qualidade e modernidade.

O estudante de Coimbra teve duas edições, uma primeira, em três tomos, editada em 1840/41 e outra em 1861. Esta última sofreu algumas alterações no enredo, o texto foi amaciado relativamente a situações e a personagens, para além de lhe ter suprimido o último tomo. Pedro Almeida Vieira optou pela primeira edição, a de 1840, por razões que me parecem boas, embora discutíveis, atualizou a ortografia, alterou algumas vezes a pontuação e uma ou outra forma verbal, para tornar o texto mais compreensivo. E ainda enriqueceu o livro com mais de trezentas notas, quase todas interessantes ou mesmo necessárias, e um aditamento com os capítulos finais da edição de 1861, o que nos permite fazer a comparação das duas edições e especular sobre as razões do autor para as alterações.

No final resulta um romance escorreito e desembaraçado, com uma elegância muito própria e com a vantagem preciosa de nos dar um quadro bastante realista, apesar de toda a fantasia que a ficção impõe, do Portugal das lutas liberais. No seu conjunto este trabalho merece divulgação porque prestou um bom serviço à cultura portuguesa revelando uma obra que tem condições para vir a ganhar relevo na literatura portuguesa e que estava, de forma inexplicável, completamente esquecida.

Por outro lado, Guilherme Centazzi é um espírito vivo, crítico, por vezes cáustico, mas também divertido. E isso é visível não só no modo como o romance é escrito e em inúmeras situações dele, mas também pelo retrato que de si mesmo faz na orelha direita do livro: «Nasci no Algarve, donde se vê que devo ser grulha, e falador: isto ponho eu já aqui para que os leitores saibam com quem se metem, e depois se não queixem das digressões e moralidades a que sou sujeito, e de que por mais que faça nunca posso mondar de todo o que escrevo: sou pois algarvio, isto é, filho lá das terras que estão mais ao sul de Portugal, formando certa província com a alcunha de reino, que pela natureza do seu clima poderia produzir muitos géneros de ambas as Índias, se bem governados tivéssemos tido a ventura de ver prosperar a nossa indústria, e se o ouro do Brasil nos não tivesse metido nos ossos a mania de ser ricos sem trabalhar, assemelhando-nos aos campos sem cultura aonde só medram plantas estéreis».


2. O livro começa por ser muito interessante em termos históricos. Não um histórico de tratado ou manual mas feito de acontecimentos vividos, ou ouvidos, enfim, conhecidos, o que o afasta de um romance histórico propriamente dito. Sem gastar muito tempo com os acontecimentos históricos, (embora à medida que o enrede se desenrola esta vertente se vá acentuando) utiliza-os com a medida necessária para situar as peripécias do seu romance, trazendo até nós factos que estão de todo esquecidos hoje mas foram, muitos deles, determinantes na altura, conseguindo, ao mesmo tempo, dar-nos a ambiência geral e o sentir dos tempos. Todas estas ocorrências foram dramáticas para os que as viveram, e como é disso que se faz a matéria dos romances e das crónicas, e como é isso que permite compreender verdadeiramente um conflito e, sobretudo, uma época tão atribulada como aquela, o romance acaba por ser um quadro complexo, dinâmico, colorido, mas muito doloroso do Portugal oitocentista.
Trata-se de qualquer modo de um romance e, como tal, mesmo reproduzindo, ou referenciando, situações reais, não perde a dimensão ficcional delas, que é o que as determina e por onde se revela a qualidade. Ou seja, sem pretender fazer história, acabou por retratar uma época como poucos terão conseguido, e não tendo, ou parecendo não ter grandes pretensões literárias, acaba por produzir boa literatura pelo estilo solto e irreverente como os factos são relatados e o enredo segue o seu caminho.
Acontecimentos e situações onde, note-se, o autor entra com frequência a fazer comentários e considerações morais, à moda dos românticos, mas donde é posto fora por sua própria decisão, quando reconhece que está a exagerar, retomando a narrativa. Com episódios e situações tão depressa dramáticos, como cómicos e com caracterizações umas vezes sintéticas e caricaturais, outras descritivas e mais compreensivas, e tão facilmente apontadas aos outros como a si próprio. As sequências de episódios são pois, em geral, rápidas, embora entrelaçadas e com uma linguagem algo cinematográfica, o que lhes dá um tom literário particular e vivo, despretensioso mas não descuidado.

Apesar das tiradas moralista (quase sempre a propósito, com substância e muita atualidade) o livro é fluente, através de uma maleabilidade sintática e lexical elegante e envolvente. Quase sempre segura, sem presunção, e leve, sem ser frívola, é dum realismo que, em certas situações e passagens, vai ao olho do furacão com grande precisão descritiva e sínteses acutilantes e oportunas.

Finalmente, Guilherme Centazzi não resiste a um humor vivo e a tiradas inesperadas e por vezes hilariantes, sem lhe faltarem observações acertadas (acertadíssimas) não só sobre nós, portugueses, mas também sobre os espanhóis, os ingleses, os franceses e outros figurões da cena internacional da época, o que o torna o livro muito ilustrativo e instrutivo. Guilherme Centazzi faz ainda análises: sobre Portugal e os portugueses e, sobretudo, sobre os governantes do seu tempo, as decisões e os decisores políticos, os gastos públicos, os oportunistas e os vigaristas de todas as espécies e épocas – que o poder não os consegue meter na ordem, ou que ascendem ao lugares de poder para melhor nos torpedearem impunemente – enfim, os corruptos e os oportunistas em geral, com o que faz um bom retrato do seu tempo. E, pelos vistos, também do nosso...

Texto de João Boavida



quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Salvo-Conduto



...

A arte é realista como actividade e simbolista como o facto. É realista neste sentido, que não é ela que inventa por si mesma a metáfora, mas tendo-a assinalado na natureza, a reproduz fielmente. O sentido figurado também não significa nada, tomado isoladamente, mas refere-se ao espírito geral da arte em toda a sua integridade. Da mesma maneira, tomadas isoladamente, partes da realidade não significam absolutamente nada.

A arte é simbólica pelo desenho de toda a sua aspiração. O seu único símbolo esta na vivacidade e no carácter facultativo de suas imagens, que lhe são próprias em toda a sua integridade. O facto de as imagens serem intermutáveis é o sinal de um estado de coisas particular em que as partes da realidade permanecem indiferentes umas às outras. A intermutabilidade das imagens, isto é, a arte, é o símbolo da força.

...

Mas apenas a linguagem móvel das imagens é capaz de exprimir a força, o facto da força, da força que dura apenas o tempo em que se reproduz o fenómeno. Para ela não há outro meio de expressão. A palavra directa do sentimento é alegórica, e não há nada que possa substituí-la.  

Boris Pasternak


O nome de Boris Pasternak (1890-1960) está inevitavelmente associado à sua obra mais conhecida, Doutor Jivago, também um clássico cinematográfico. Por esta obra foi-lhe atribuído o Prémio Nobel de Literatura de 1958, entretanto recusado a contragosto devido à pressão do regime soviético. Sabe-se hoje que essa atribuição foi controversa e que aconteceu sob grande pressão, muito particularmente, de instituições e agências governamentais norte-americanas, sempre prontas a instrumentalizar as vozes dissonantes ao regime soviético. 

Nesse contexto, é natural que se levantem dúvidas relativamente à obra desse complexo autor. Salvo-Conduto é um livro particularmente relevante para esse fim, pois revela a pureza de propósitos dum jovem artista e o seu estilo sóbrio, embora marcante e característico. Salvo-Conduto é um relato lúcido, ainda que emotivo, dum percurso intelectual, desde a infância, multi-linguística no seio duma família judia convertida de artistas (o pai era um conhecido pintor e professor de pintura e escultura, a mãe pianista), até a maturidade enquanto autor nas primeiras décadas que sucederam a revolução bolchevique. 

A família Pasternak era muito bem relacionada com o meio artístico moscovita no início do século XX, e entre os visitantes regulares encontravam-se, Sergei Rachmaninoff, Alexander Scriabin e Rainer Maria Rilke. A primeira aspiração de Boris foi a de ser compositor, porém depois de apresentar algumas peças de sua composição a Scriabin, este aconselhou-o a continuar seus estudos de música, mas não sem procurar obter uma formação universitária complementar. O jovem Boris decidiu-se então pela filosofia e esta inclinação levou-o e estudar de 1910 a 1914 com Hermann Cohen e Nicolai Hartmann, conhecidos neo-kantianos da escola de Marburgo. De volta à Rússia, decide-se definitivamente pela carreira literária, mais ligada à poesia, e por meio desta associa-se aos autores e artistas mais influentes do período pós-revolucionário: Anna Akhmatova, Osip Mandelstam, Sergei Eisenstein, Vladimir Maiakovsky, entre outros.
       
A seu julgamento negativo da Revolução de Outubro, apesar da admiração que nutria por Lenin, revelou-se muito mais tarde através do seu mais conhecido romance, Doutor Jivago, escrito em 1956, contrabandeado para o estrangeiro e publicado primeiramente em Milão em 1957. Mas entretanto há um sem número de situações críticas que são descritas no livro, como, por exemplo, a prisão de Osip Mandelstam numa noite de Maio de 1934, pela autoria do Epigrama de Stalin: " … Seus dedos gordos são escorregadios como lesmas,/E suas palavras são absolutos, como medidas de merceeiro./Suas antenas de barata estão rindo,/E sua bota nova brilha./E ao redor dele a turba de chefes de pescoço curto,/Ele brinca com os serviços de meio-homem./Quem gorjeia, mia ou geme,/Ele sozinho empurra e pica./Ele esmaga-os como ferraduras, com decreto após decreto/Na virilha, na testa, no rosto, ou no olho./Quando há uma execução, há tratamento especial,/E o peito ossétio se infla." Mandelstam acabou por falecer em 1938 num campo de prisioneiros na Sibéria, e Pasternak foi instado, pelo próprio Stalin, sobre o julgamento que fazia do seu colega através dum inesperado e surpreendente telefonema.       

Particularmente pungente é a descrição do definhamento intelectual e da desilusão irreversível com o partido e o sistema, que levou ao suicídio, em 1930, o autor que Pasternak considerava ser o mais original do seu tempo, Vladimir Maikovsky. 

Salvo-Conduto é um livro duma grande honestidade intelectual e digno dum dos mais representativos  escritores russos da primeira metade do século XX. 

Orfeu B.