terça-feira, 18 de dezembro de 2012

AHAB, UMA EDITORA PORTUGUESA QUE SABE EDITAR CONTOS

Tanto quanto sei, a Ahab é uma jovem editora sediada no Porto. Jovem, mas já com um conjunto notável de obras, de entre as quais avultam as de autores que cultivam o contismo, como o peruano Julio Ramón Ribeyro (1929 -1994 ) e o norueguês Kjell Askildsen (1929). De Ramón Ribeyro li o 1º volume da obra intitulada " A Palavra do Mudo" (editado em 2012); de Askildsen, "Um Repentino Pensamento Libertador" (editado em 2010) e "Os cães de Tessalónica" (2012). Livros de contos, de autores pouco conhecidos ou desconhecidos entre nós. Em "Os Cães de Tessalónica", o autor vai buscar o título da obra ao primeiro conto, em que se refere a dificuldade que os cães, por vezes, têm em se separar após o acasalamento, com todo o sofrimento que tal acarreta. Assim, as personagens destes sete contos, ligadas para sempre pela dificuldade em se separarem (física ou psicologicamente), por mais dolorosa que seja a sua relação.
Nem sempre é fácil enquadrar as atitudes e os comportamentos das gentes que atravessam os textos de Askildsen em correntes ou autores da literatura ocidental, em que estamos inseridos. Talvez o existencialismo literário francês (com as suas expressões de tédio e de absurdo) se possa considerar como um ponto de referência, nomeadamente na solidão das personagens, mergulhadas num silêncio que dá sentido ao confronto permanente entre um tempo interior e um tempo exterior. Silêncio que as torna invisíveis até aos que lhe estão mais próximos. Veja-se um extrato do conto intitulado "Os Invisíveis": "Marion serviu-lhe mais vinho. Costuma doer-te a cabeça?, perguntou ela. Não, respondeu ele. Bem, sim. De vez em quando. Atirou o cigarro fora e acendeu outro. Olha, disse ele, a nuvem continua sem se mexer. A Camilla disse-me que te vais embora já amanhã, disse Marion. Sim, assentiu. Que pena, disse ela. Tenho de voltar ao trabalho, disse ele. Bebeu. É um bom vinho, disse ele. Passado algum tempo olhou para ela de relance; estava sentada a olhar para as mãos no regaço, movendo quase imperceptivelmente a cabeça. Por fim disse sem levantar a vista: Não queres falar, pois não? Mas se estou a falar…, disse ele. Sabes muito bem o que quero dizer, disse ela. Ele não respondeu. (…). (…) Pouco depois, disse: Não posso deixar de ser como sou. Se eu por exemplo mato alguém, não o posso evitar, mas não mato ninguém porque não sou assim. Tudo o que faço, faço-o porque sou como sou, e não tenho culpa de ser assim. Os outros podem dizer o que lhes apetece. Entendes? Pegou no copo e bebeu. Acendeu outro cigarro. Foi até ao maciço de flores e ficou a contemplar a terra seca. Então olhou para a nuvem no alto da montanha; pareceu-lhe mais pequena." Silêncio por vezes entrecortado por uma "confissão", que dá mais espessura a esse silêncio. Note-se a técnica de construção dos diálogos inseridos no texto, o que os transforma em monólogos. E, quando o autor utiliza o diálogo de uma forma tradicional, apenas o faz para acentuar o desfasamento entre as personagens, os lugares comuns em que assenta a sua relação, a incomunicabilidade que se foi criando, que nem os copos de vinho que vão bebendo conseguem disfarçar. O conto "Um lugar Maravilhoso" é um exemplo perfeito do que acabo de dizer: "Tinham descido até ao molhe de cimento, o sol estava prestes a pôr-se. - Oh, como adoro este lugar - disse ela. Ele não disse qualquer palavra. - Foi mesmo ali que caí à água. - Sim - disse ele - , já me contaste. - Devia ter uns quatro anos - disse ela. - Cinco - corrigiu ele. - Sim, talvez. Bati com a cabeça numa daquelas pedras que vês ali e fiz um corte profundo por cima da orelha, e se o meu pai não tivesse… O que foi isto? - Algum animal - disse ele. - Foi alguém a gritar - disse ela. - Não, pareceu-me ser um animal. - Vamos para dentro - disse ela. (...) (…) Ao entrar, ele disse: - Vou abrir uma garrafa de vinho. - Sim, abre. Ela sentou-se no sofá. Ele serviu-lhe vinho. - Obrigado, está bom assim, - disse ela. Ele deitou o dobro no seu copo e sentou-se junto à janela. - O meu pai costumava sentar-se aí - disse ela. - Sim, já me tinhas contado - disse ele. - E onde se sentava a tua mãe? - A minha mãe? Ela… Porque perguntas? - Apenas por curiosidade. Saúde! (…)" E o conto termina com o diálogo que a seguir se transcreve, exemplar na solidão em que as personagens vivem mergulhadas, mascarada de uma aparência de comunicação: "Ele estava sentado na ponta do molhe a contemplar o fiorde. Ela estava deitada atrás dele a apanhar sol. Disse: - Não é um lugar maravilhoso? - Claro que sim - respondeu ele." Claro que sim, o mundo é um lugar maravilhoso, mas apenas para aqueles que nele têm lugar. Dizer mais sobre este livro de Kjell Askildsen seria algo de supérfluo: a solidão, a incomunicabilidade, a alienação estão sempre presentes no quotidiano das personagens e constituem o suporte da narrativa dos sete contos que compõem a obra. Obra que caracteriza a "malaise" de uma sociedade que, apesar dos novos meios de comunicação e da facilidade das redes sociais, que se multiplicam, acaba por deixar cada um de nós entregue a uma inevitável solidão. Ainda que rodeados de gente, todos vivemos e morremos sós…

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