domingo, 30 de dezembro de 2012

Histórias de Goldkorn

 

Entre uma vida pródiga em benesses e outra feita de amargo azedume existem precisamente momentos assim, que um homem ou despreza ou agarra destemidamente. Pus-me imediatamente em pé, de um salto, e virei-me para o director de orquestra de peito rosado, cujos caracóis molhados aderiam à fronte nobre.

- Maestro - disse, batendo os calcanhares moles do meus sapatos de ponta revirados, tipo bobo. - Aqui tem L. Goldkorn. Licenciado em flauta pela "Akademie fuer Musik, Philosophie, und darstellend Kunst"; instrumentista auxiliar, por designação do imperador, da k. k. Hof-Operntheater Orchester, 1916-1918; e 1919-1938, da Orchester der Wiener Staatsoper. Desde mil nove e quarenta e três cidadão americano. Assinante domiciliário do New York Herald Tribune.   

A. Toscanini erguei os olhos do local onde Wormes estava agitar-se nas bolhas do Geyser. 

-Si. È vero? Un musicista? Flauto? Bravo! Signor Goldkorns, un disco grammofonico!

Eis como, senhoras e senhores, L. Goldkorn se tornou, pelo espaço de um só tarde, membro da National Broadcasting Company Orchestra. Uma só tarde? Apenas no sentido mais grosseiro, mais literal. A nossa gravação, "Aberturas de Ópera Bufa Bem-Amada", na qual, conforme sabeis, executo uma cadenza a solo de O Segredo de Susana, há-de durar por todas as tardes do porvir.

Histórias de Goldkorn.

Um livro de grande imaginação e dum humor muito especial sobre as desventuras do personagem tragicómico, L. Goldkorn, um modesto judeu originário de Viena, transplantado na grande nação da América do Norte por força da destruição material e cultural da Europa pelo nazismo. 

Uma narrativa sobre a voracidade do progresso duma América febril que aliena e transforma o humilde flautista, orgulhoso membro do quinteto de música Steinway do Restaurante Steinway, especializado em grelhados romenos e carne kosher, numa relíquia viva. Um testemunho comovente, embora também cómico dado o suceder de situações insólitas, dos infortúnios dum personagem profundamente humano. Particularmente inesquecível é a descrição da representação de Otelo pelos empregados do Restaurante Steinway visando publicitar e ressuscitar o moribundo estabelecimento, e os comentários do personagem sobre música e sobre a história do quinteto que ao longo da sua longa vida só por uma ocasião admitiu que um músico estranho se juntasse ao grupo, nomeadamente Albert Einstein aquando o grande cientista fez um repasto no restaurante e tocou uma peça com o quinteto. 

Um livro que espelha a imaginação transbordante e a mestria técnica dum grande autor e que analisa com grande verve os estereótipos culturais dos judeus europeus, dos norte-americanos e das múltiplas comunidades culturais de Nova Iorque. A escrita floreada e criativa do autor faz-nos pensar que Leslie Epstein é um brilhante discípulo de língua inglesa de Isaac Bashevis Singer.  

Orfeu B.



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