sábado, 12 de outubro de 2013

UM BRILHANTE JOGO DE ESPELHOS


Malgré moi nunca tinha lido Ana Teresa Pereira, apesar da sua já longa obra. Penalizar-me-ei sempre na minha vida pelos autores e romances que nunca chegarei a ler. Felizmente conheci agora a escrita desta notável autora. E vou depressa ler mais livros dela.

"O Lago" recebeu o prémio de romance da Associação Portuguesa de Escritores.

A sua escrita é sem sobressaltos, lisa e sem adjectivos como um copo de água. Ana Teresa Pereira tece uma teia que nos envolve tranquilamente, conta uma história aparentemente serena. Não a sublinha. O fundamental passa-se quase no não dito e a autora deixa que seja o leitor a perceber que debaixo da superfície aparentemente calma existem tensões que crescem, preocupações que parecem prestes a rebentar, silêncios prenhos, coisas suspeitadas, adivinhadas.

Tudo ronda em torno da identidade e das suas alterações em torno de um texto teatral e de uma actriz que, conduzida pelo encenador e autor, busca entrar na pele da personagem através de um complexo jogo de espelhos. A actriz entrega-se à direcção e ao amor dele sem saber se ele a ama a ela ou à personagem em que quer transformá-la para poder amá-la verdadeiramente.

"Durante anos pensei que representar, representar a sério, era transformar-me noutra pessoa. (...) Mas quando estou a representar sou eu mesmo.", diz o encenador.

Como muitos criadores o encenador é um devorador que usa os outros e os deita fora quando aquele caminho está cumprido.

Tema comum a muitas obras terríveis. Lembro-me do "Baal" de Bertolt Brecht representado magnificamente no teatro da Trindade pelo Mário Viegas. Ana Teresa Pereira trata este tema de uma forma súbtil, silenciosa, nebulosamente britânica. E fá-lo de forma a envolver-nos, a inquietar-nos como uma aranha doce que apanha os seus leitores com delicadíssima artesania


terça-feira, 8 de outubro de 2013

PULP


Charles Bukovski é um autor famoso pela sua marginalidade, pelo alcoolismo, pela poesia, pela rudeza das suas narrativas, pela linguagem grossa e fácil, sem nenhuma compaixã, nem respeito por elegâncias e estilos de escrita.

"Dei um gole de saqué, frio. As minhas orelhas arrebitaram-se e senti-me ligeiramente melhor. Sentia o cérebro a começar a carburar. Anda não estava morto, apenas num estado de rápido declínio."

Este é o seu último livro escrito à beira da morte. Um livro que se chama PULP e que podia chamar-se fatela, foleiro, rasca.

Uma espécie de roman noir, usando todos os truques do género, a linguagem mais básica e grossa do género, e uma narrativa completamente delirante, sem qualquer espécie de desejo realista. PULP é um livro a traço grosso, completamente pulp. Mas só aparentemente.

PULP é um romance escrito á maneira pulp, mas a sua trama ultrapassa em muito o básico delírio deste tipo de romances. Logo o começo da acção é demasiado delirante para ser apenas pulp.

Um detective que bebe hectolitros de alcoóis diversos ao longo das páginas tem como primeiro cliente uma "gloriosa tontura carnal", a Senhora Morte. Pretende que o detective apanhe o escritor francês Céline que já devia ter morrido mas ainda circula pelas livrarias de Los Angeles.

Aparece outro cliente, empregado de uma agência funerária, que pretende livrar-se de uma fantástica mulher que é afinal uma extra-terrestre.

Fianalmente, um homem que quer que o detective encontre o Pardal Vermelho coisa que ninguém sabe o que seja e que tavez até possa ser a própria morte

Os vários casos misturam-se uns com os outros num banho de álcool, reflexões de filosofia barata e numa constante reflexão sobre a morte.

E é este característica que vai tornando conferindo à narrativa um carácter tão inquietante quanto pungente, tanto mais quando sabemos que o escritor escreveu esta história como um hino pulp às suas renitências, dúvidas e fraquezas, quando se encontrava ele próprio à beira da própria morte.