quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

A MAGIA DE UM GRANDE CONTADOR DE HISTÓRIAS


A escrita de vargas Llosa é poderosa. A sua capacidade narrativa é brilhante. Tenho-o como um dos autores imprescindíveis da minha artesania de leitor.

Llosa cria várias linhas narrativas que começam por se ignorar mas que vão insinuando pequenos anúncios do seu possível cruzamento. O leitor vai caminhando em busca desse mesmo cruzamento que poderá, quem sabe, ilumina uma e outra narrativa.

Mais ainda, vários dos personagens deste romance foram já personagens de romances anteriores de Llosa (Lituma, D Rigoberto, Lucrécia…) como se aqui encontrassem o espaço de um balanço de parte significativa da obra do autor. Ou melhor, como se aqui os leitores de Llosa pudessem saber o que aconteceu aos “seus” personagens, aqueles que acompanhou em romances anteriores.

O Peru deste romance podia ser um Portugal dos anos 60. Nestes personagens reconheço tiques e objectivos de vida e formas de viver ronceiras e pequenas parecidas com as que eu observava nesses anos.

Felício Inaqué, pequeno proprietário de uma empresa de camionagem que subiu a pulso na vida, homem sério, cumpridor, decente em todos os sentidos da palavra, vê a vida castigá-lo destruindo a sua pequena ilusão de felicidade com uma amante que o trai com o seu próprio filho.

Llosa trabalha bem a perversidade, gosta de castigar os bons. Veste-os de tristeza, por vezes de tragédia. Demora-se prazentoso nas personagens mais complexas e ambíguas como D. Roberto e Lucrécia.

Estes dois são conservadores na aparência, apreciadores de arte, museus, literatura, estetas do sexo, vendo-se confrontados com a inquietação do filho adolescente que se encontra amiúde com uma estranha personagem, Edilberto Torres, que aparece e desaparece inesperadamente e que D Rigoberto receia que seja o diabo.

Ismael, riquíssimo patrão e amigo de D. Rigoberto, ao ficar viúvo resolve casar com uma bela empregada para castigar os dois filho, verdadeiros gansters de bairro.

A pouco e pouco estas histórias cruzam-se para que as personagens regressem depois ao seu âmbito social e geográfico, como se este país fosse feito de compartimentos estanques apenas unidos pelos lampejos inesperados e breves do destino.

E tudo isto conduzido pala magia de um grande contador de histórias, senhor de uma escrita que nos agarra pelos colarinhos e não nos deixa afastar até ao fim,


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