terça-feira, 25 de novembro de 2014

O FEITIÇO DA ÍNDIA E O FIM DO IMPÉRIO




escrita de Miguel Real atinge neste livro um momento de grande qualidade e equilíbrio na ligação entre o trabalho do escritor, a investigação histórica necessária a um romance que atravessa vários séculos, a reflexão do filósofo sobre a identidade portuguesa na relação com os outros povos e sobre o conceito de Império Português e o seu fim que neste caso se torna territorial e humano na semente que põe um termo à presença portuguesa na Índia.

O autor conta-nos a história de 3 homens, José Martins que no fim do séc. XV é o primeiro português a desembarcar na Índia.

Depois virá Augusto Martiins., mestre de metalurgia que no início dos anos 50 do séc. XX emigra para a Índia.

Finalmente outro José Martins, filho de Augusto que vai à procura do pai em 1975.

Os três deixam-se enfeitiçar pela Índia e trocam nos dois primeiros casos as suas Rosas de Lisboa por Rhemas da Índia.

O ultimo apaixona-se por Sumitha, sua meia irmã e torna-se pai de Arun com quem acaba o sangue português na Índia.

Através destas três histórias conta-se a história do fascínio dos portugueses pela Índia, pelos seus hábitos e costumes, pela sua natureza excessiva e envolvente, pela sua sensualidade livre do mal e do. pecado cristãos. Fala-se, enfim, dessa “perdição”, dessa entrega ao fascínio do outro, que subjaz ao Império Português, já que é de homens e das suas paixões que se fazem os Impérios.

Nos três momentos desta história assistimos primeiro ao início do Império, à conquista e ao domínio feroz dos primeiros governantes, Vasco da Gama, Francisco de Almeida e Afonso de Albuquerque. E ainda ao extermínio dos árabes e aos primeiros sinais de entendimento entre portugueses e hindus.

O autor mostra-nos ainda a distância entre os que partem do pequeno Portugal e lutam e sofrem lá longe e os que governam na Côrte de Lisboa sem visão nem projecto e que apenas aspiram ao lucro fácil e imediato. Sempre foi assim e, ao que parece, continua.

No segundo momento, o autor mostra-nos a pequenez do domínio lusitano em tempos de Salazar, a perda do território da Índia Portuguesa, a manutenção de uma classe de burocratas luso-indianos onde a cultura do Império se resume a um exercício balofo e pomposo de rotinas caídas em desuso e que, de alguma forma, vão sendo tranquilamente suportadas ou toleradas pela nova Índia.

Num terceiro momento é a queda do Império, o fim dessa união carnal, sensual, estética, espiritual entre duas culturas tão distantes mas aparentemente tão afeitas uma à outra, através da morte de Arun e do fim do sangue português na Índia.

A escrita de Miguel Real funciona como uma espécie de máquina fotográfica que dispara permanentemente e nos vai dando páginas sucessivas de pormenores que se entrelaçam para compor um vasto retrato da realidade (a Índia ou Lisboa) que nos chega através de cheiros, cores, sabores, temperaturas, materiais, frutos, animais, doenças, pústulas, luzes, águas que nos colocam no interior desses espaços com uma raríssima intensidade.

Mas Miguel Real é um homem da filosofia e não apenas um narrador realista de cidades, casas, rituais, corpos entrelaçados. Todas essas descrições lhe servem para ir construindo de forma ficcional um olhar estruturado sobre aquilo a que se chama ou chamou o Império Português, a sua decadência e o seu final.

Eu diria que este é livro denso, uma manta de histórias apaixonantes, em que a principal personagem somos todos nós, ou melhor, é Portugal, um herói multifacetado, ora pícaro, ora heróico e corajoso, ora feroz e bárbaro, ora sensual e deslumbrado, um Portugal à procura do seu novo lugar no mundo.

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