terça-feira, 2 de junho de 2015

A ARTE SUPREMA DO MONÓLOGO



Lê-se Sandor Marai como um doce veneno que, página a página, se infiltra no nosso coração e o carrega do júbilo de encontrar as semelhanças que todo o leitor procura nas suas leituras mas também do ferro da dúvida que coloca o nosso rosto no espelho do lado mais sombrio da profunda inquietude de que se faz a condição humana.

O tecido narrativo foge ao diálogo e espalha-se gloriosamente pela arte deslumbrante do monólogo que Marai tão bem domina.

Poderíamos dizer que a estrutura narrativa não é a de um romance mas a de uma sequência de monólogos teatrais.

Sabemos que Casanova fugiu da prisão da Inquisição de Veneza e acaba de chegar a Bolzano, já fora da República de Veneza e vai recompor-se dormindo hopra e horas a fio.

Três momentos poderiam depois tornar-se nos três actos de uma peça de teatro.

1º O monólogo de Casanova ao acordar e descobrir que várias mulheres de Bolzano o vieram espreitar pelo buraco da fechadura para ver quem é aquela personagem extraordinária, artista exímio na arte das cartas e do amor. (“O que é que tu vês?”, perguntam as mulheres à que espreita no momento em que ele se levanta. E ela responde cheia de espanto e admiração: “É um homem!”)

2º O monólogo do Conde de Parma que traz uma curtíssima carta de amor de Francesca, a sua própria mulher, a Giacomo Casanova. O marido velho e poderoso, propõe, mediante uma enorme quantia, que Giacomo se encontre com Francesca, que a seduza e a desengane para que ela regresse para junto do marido “curada” da tentação daquele amor.

3º O encontro dos dois apaixonados, ele mascarado de mulher e ela de homem, a extraordinária declaração de amor de Francesca a Giacomo, e a separação perante a acusação de que Casanova não ser capaz de abraçar o amor verdadeiro, o amor total, o amor de entrega absoluta para além de todas as regras e limites.

Ler Marai é mergulhar no prazer intenso, obsessivo, por vezes quase doentio de trazer os extremos das emoções humanas para o reino da palavra., Sem psicologias baratas nem complicadas elaborações narrativas. Usando apenas o luxo da palavra que, com frequência, nos deixa sem respiração.

1 comentário:

Vera de Vilhena disse...

Que engraçado, sei reconhecer um post do Fanha logo à primeira frase. "Um doce veneno..."
Do S.M. apenas li As Velas ardem até ao fim, e conquistou-me. Um livro triste e estranho, sobre a amizade, para ler no inverno.
Fiquei com muita vontade de ler este. Está na lista, obrigada. Um abraço!